Poderia escrever um roteiro pro meu show de stand-up autodepreciativo onde eu diria que fui usada até por profissionais da saúde mental. Seria engraçado se não fosse uma verdade trágica.

Eu tenho sentido vergonha de falar sobre isso com qualquer pessoa, então vamos de diário.

Eu fazia terapia desde os nove anos. Tenho quase 21 agora. Isso significa que mais da metade da vida eu estive em acompanhamento com psicólogos e psiquiatras. Acho que a minha fase favorita foi o CAPSI, porque tinha arte terapia e eu amava pintar. Mas enfim, essa parte não vai contextualizar o caos mais recente...

Estava em tratamento com uma psicóloga a mais de um ano. Cheguei meio em crise, tinha tirado três medicações por conta própria. Detalhes que graças a tentativas de suicídio eu tenho um trauma absurdo de comprimidos e uma dificuldade enorme pra ingerir eles, o que foi um dos motivos pra parar de tomar repentinamente.

Ela quis me bancar sem medicação. E eu achei incrível. De verdade. Ela era aberta comigo e me dava espaço pra falar de tudo. Do jeitinho que a terapia tem que ser. Eu falava de crises existenciais, sobre minhas dúvidas em relação a deuses e religiões e em relação a minha própria existência.

Ela disse que íamos tratar meus traumas (que era a área de estudo dela, vamos guardar essa informação) e que íamos provar o ponto sobre não precisar da medicação. A teoria era de que fui medicada sem necessidade e que os remédios apenas me ‘’embotaram’’, tirando minha capacidade de lidar com as coisas sozinhas e de sentir o que precisava ser sentido.

Ela me indicava livros, filmes e documentários. Eu me sentia inteligente. Falava exatamente que linha de pensamento estava seguindo comigo e eu procurava alguns estudos psicológicos por conta própria e curiosidade. Eu me sentia acolhida e inteligente.

O tempo passou e essa fase boa também. Eu não me sentia mais a vontade na terapia, não queria falar as coisas, sentia que ela debochava de certas coisas que eu falava e meio que desdenhava dos meus problemas. Eu dizia não estar aguentando mais sozinha e ter ficado x dias sem conseguir tomar banho/escovar dente. Falava abertamente sobre não ter mais prazer e nem vontade de executar nenhuma tarefa e sobre pensamentos suicidas e intrusivos. Continuamos levando tudo a base da conversa, apenas.

Quando pedi uma medicação ouvi de forma rude que se eu quisesse a gente parava a terapia e eu conseguia uma felicidade artificial. ‘’É isso que você quer? Ou prefere melhorar?’’, ela dizia.

Teve também o dia em que ela dormiu no meio da sessão e eu fiquei lá em vídeo falando sozinha até perceber. Ela estava exausta, mas acho que eu nunca me senti tão constrangida quanto nesse dia.

Sempre que eu dizia que queria sair da terapia ela me dizia que era uma forma de autossabotagem. Que eu tinha mania de me autossabotar e quando finalmente começava a fazer terapia dava pra trás porque tinha medo de me conhecer e do meu subconsciente.

Por falar em autossabotagem ela constantemente mencionava que eu não queria melhorar. Que a minha zona de conforto era estar mal e por isso eu sempre me colocava lá. A gota d’água foi quando me mudei de cidade pra estudar e ao dizer que não estava sentindo nada exceto vontade sumir e morrer ela me questionou sobre qual seria minha desculpa pra estar mal no momento visto que eu enfim tinha saído de casa e não ia ter mais a relação conturbada com minha mãe que sempre era uma constante reclamação.

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Eu vinha a meses reclamando dessa falta de energia e vontade de morrer, sumir, desaparecer. Já tinha confidenciado mil vezes que só não tentava me matar outra vez porque meu maior medo da vida era vegetar numa cama e ser obrigada a continuar viva e em condições mais deploráveis ainda. Já tinha dito mil vezes que me sentia um peso morto vagando pelo espaço.

Demorei pra conseguir me impor e sair de verdade disso. Demorei pra perceber que naquele momento me fazia mais mal do que bem. Demorei pra perceber que eu era o rato em laboratório sendo objeto de estudo.

Demorei pra perceber que todo mundo me usa quando precisa e descarta depois. TODO MUNDO MESMO. Até a psicóloga. E é por isso que eu não confio em absolutamente ninguém.

Pelo menos eu sou um ratinho de laboratório bonito.

~Gabby L.R~