Acho
que quem eu era a uns anos atrás se orgulharia de quem eu sou hoje, mas
sentaria comigo pra dar uns conselhos de amiga.
Ela
seria super crítica, mas me mandaria não parar de escrever. Diria que eu tenho
que dar tempo ao tempo e não me importar muito com o que minhas próprias
opiniões ruins dizem de mim.
Eu
contaria do coração quebrado e ela ia rir na minha cara.
“Poxa,
ele já foi quebrado antes, não é a primeira vez que você sente essa dor.’’
Ela
mandaria eu usar o sentimento pra escrever poesia e depois ia abrir o próprio
blog pra me mostrar todas aquelas dores adolescentes derramadas em palavras. Ela
me contaria da paixão pela melhor amiga e como metade daqueles textos tinham
destinatários específicos.
Me
contaria das dúvidas sobre a faculdade e sobre a nova amiga que fez no teatro.
Diria que tinha medo, mas que se sentia obrigada a fazer alguma coisa a
respeito disso. O medo não pode parar o que nos move. E naquele momento ela,
como eu me lembro, era movida pela curiosidade e sobre a possibilidade de amar
outro alguém.
Quem
eu costumava ser ia ter um livro qualquer na mochila. Mesmo sem tempo pra ler.
E estaria sendo constantemente influenciada a fazer novos planos e sonhos. Pra
onde iria? Lavras, BH, Canadá? Ia continuar o cursinho de francês no duolingo
pra arriscar a faculdade em Paris?
Eu
não sei dizer. Ela também não sabia. Mas ela se importava menos com as
respostas.
Tinha
cortes pelo corpo que nem ela entendia. Tinha uma estúpida vontade de pintar o
cabelo e fazer tatuagens pra desafiar aquela familiazinha de cabeça fechada.
Essa
vontade a gente ainda tem em comum, seria um papo que trocaríamos por horas.
Ela
me falaria sobre como sentia a falta do teatro e como era bom não precisar ser
o que se é quando sobe no palco. Me diria que é uma beleza se apagar de si
mesmo e se montar como quer.
Mas
ela ia amar me ouvir também. E eu poderia contar muitas coisas.
Eu
poderia contar sobre como nada foi do jeito que a gente planejou. Contaria que
a gente ficou mais sozinha que nunca e se isolou do mundo.
Falaria
de como foi bonita nossa história conhecendo aquele amor da vida bem clichê. Ia
falar que a gente deixou de ser durona e mimou demais quem veio depois. Que
teve entrega, afeto e um sentimento explosivo que vai ser impossível sentir
outra vez. Eu teria que contar que a gente não foi suficiente outra vez ou pouparia
ela dos detalhes?
Eu
poderia também contar da pandemia e sobre como desenvolvi uma agonia enorme em me
sentir sozinha. Sobre como o sentimento de abandono ficou mais forte. Mas
também falaria sobre como esse tempo em isolamento afetou o modo como eu me
via. Hoje me vejo mais bonita, mais forte, mais mulher.
Eu
contaria que escolhi administração e que penso todos os dias em trancar o curso,
mas que continuo firme porque a meta ainda é o concurso pra perícia criminal. E
quando chegasse nesse assunto eu ia confessar que com o passar do tempo a gente
se humanizou mais em relação a isso e que conseguimos até ficar traumatizadas
com o Luka Magnotta.
Ia
passar um susto nela ao revelar que nos mudamos pra uma moradia estudantil e
dividimos o espaço com outras 5 pessoas - eu estou sobrevivendo entre trancos e
barrancos não tendo meu espaço, mas me esforço pra ser o mais independente
possível, do modo como prometi -
Poderia
revelar pra ela que quase busquei me perder em outros corpos e que fumei mais
maconha do que pensei que teria contato durante a vida. Acho que também
revelaria que as tendencias suicidas não pararam e os pensamentos intrusivos
estão mais fortes que nunca. Pediria força e paciência, e ela estenderia a mão
sem pensar duas vezes.
Eu
não posso ter essa conversa cara a cara, mas eu me conheço suficiente pra saber
que apesar de tudo isso ela teria orgulho de mim. Isso faz com que eu tenha
orgulho de mim também. Isso me faz ler as coisas que escrevi com 14 anos e
perceber que são cartas endereçadas ao futuro. Ao agora. Isso me mostra o
quanto eu posso aprender comigo mesma.
Sou
mais forte. Mais madura. Mas isso não significa que eu deva deixar de alimentar
a menina que mesmo com vontade de morrer sonhava e não desistia do amor. De
tentar. De sonhar.
Sigo
exausta e sem saber quem sou, porém tranquila por entender que estou guardada
em algum lugar e só preciso esbarrar em mim outra vez.
~Gabby L.R~